Vida e trabalho do pescador profissional no alto-médio São Francisco
Alexandre L. Godinho |
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Introdução
São aqui apresentados diferentes
aspectos da vida (família, moradia, bens de consumo, medicina tradicional,
doenças, escolaridade, perspectivas e aspirações) e
do trabalho (perfil tecnológico e visão sobre a
degradação do rio e da pesca) do pescador profissional no trecho
entre a represa de Três Marias e o município de Januária,
investigados através de documentação fotográfica
e relatos orais.
Considerações gerais
A pesca profissional de água doce,
praticada de maneira artesanal, pode ser uma atividade econômica
sustentável em termos ambientais. O uso de equipamentos rudimentares,
a ausência de relações de trabalho assalariadas e mesmo
a falta de ambição do pescador contribuem para que a pesca
seja praticada de maneira a permitir adequada reposição dos
estoques. Todavia, a pesca não é uma atividade isolada.
Inúmeros outros fatores (domínio concentracionista da terra,
aumento da carga de efluentes industriais e domésticos, aumento do
número de pescadores e barragens) minam a capacidade de
reprodução e sobrevivência dos peixes e,
conseqüentemente, a capacidade de reprodução social da
pesca.<
São essas as circunstâncias
principais que têm levado os pescadores profissionais do alto-médio
São Francisco a viverem situações-limite. Estão
se exaurindo as condições materiais que permitem organizar
satisfatoriamente a sua vida, como também se exaurindo a sua capacidade
e a da natureza em gerar mecanismos adaptativos eficientes no longo prazo.
Do ponto de vista social, vê-se
a pobreza predominando em meio aos pescadores profissionais, agravada pela
apreensão de valores culturais oriundos das grandes cidades. As novas
exigências do mundo moderno e o apelo intensivo da mídia contribuem
para alterar as aspirações e a pauta de consumo da família
do pescador, gerando novas carências ao mesmo tempo em que a estrutura
econômica regional não cria a possibilidade de supri-las. Isso
impõe ao pescador a necessidade de ampliar seus excedentes, aumentando,
eventualmente, a exploração inadequada dos recursos pesqueiros.
Pescador profissional
O pescador profissional é aqui
entendido como a pessoas que tem no ato de capturar ou extrair organismos
aquáticos o seu principal meio de sustento.
Número de pescadores
As quatro Colônias de Pescadores
(Três Marias, Pirapora, São Francisco e Januária) existentes
nesse trecho estimam em torno de 600 os pescadores profissionais, cadastrados
ou não, que aí atuam regularmente. Esse número deve
ser considerado com cautela já que as próprias Colônias
têm a mesma dificuldade que os grupos de pesquisa e órgãos
fiscalizadores em estabelecer, com precisão, o número de pescadores
profissionais atuantes na região. Isso porque há profissionais
não cadastrados nas colônias que atuam clandestinamente na atividade
e amadores que se cadastram como profissionais para utilizar apetrechos somente
permitidos a esses últimos. A Colônia de Pirapora, por exemplo,
apresenta 800 profissionais cadastrados, mas afirma que apenas uns 150 -
cadastrados ou não - atuam com regularidade.
Famíia
A família do pescador profissional
do Alto-Médio São Francisco é do tipo nuclear (pai,
mãe e filhos) e numerosa. De maneira geral possui características
sócio-econômicas que caracterizam uma inserção
social vulnerável com severo risco de completa exclusão. A
família é, geralmente, autóctone, mas o chefe, muitas
vezes, guarda uma história de migração do seu tempo
de criança, no eixo Nordeste/Centro-Sul. Veio acompanhado dos pais,
fugitivos da seca ou do progresso técnico na agricultura. A chefia
da casa compete exclusivamente ao homem. A mulher que exerce alguma atividade
econômica somente o faz na companhia e como suporte da atividade do
marido. A relação de dependentes é alta devido as escassas
oportunidades de emprego. Sobra a pesca como alternativa, mas essa também
vai seguindo escassa na capacidade do provimento dos mínimos vitais
do grupo. Alguns dos pescadores admitem que trabalhar na pesca não
foi fruto apenas das adversidades sofridas, mas tornou-se uma opção
gratificante de trabalho. Outros admitem que a pesca é apenas uma
forma alternativa e não realizadora de garantia da sobrevivência
familiar.
Moradia
A maioria dos pescadores profissional
mora na área urbana do município. Tendem a se concentrar em
um único bairro, invariavelmente um dos mais carente do município,
que também abriga a sede da Colônia. A moradia do pescador,
muitas vezes, é uma das mais modestas da rua onde mora. Ela é
precária em todos os sentidos e denúncia a penúria em
que vive. Tem piso de cimento ou terra batida, telhado com material adaptado
ou mal colocado, sanitário externo, água encanada mas utilizada
sem nenhum tipo de tratamento e alta incidência de ratos e baratas.
No mais das vezes, é construída com material adaptado e não
dispõe de conforto algum.
Bens de consumo duráveis
Grande parte dos domicílios apresenta
o rádio como opção preferencial de entretenimento e
informação. A televisão aparece em poucos. Há
quase que total destituição de automóveis e motocicletas.
A bicicleta é o meio de locomoção usual em terra. Em
água, locomovem-se por canoas de madeira, muitas das quais produzidas
pelo próprio pescador com a ajuda dos colegas.
Doenças e medicina tradicional
Famílias empobrecidas, como as
dos pescadores, freqüentemente são abatidas por um conjunto pequeno
de enfermidades mas os membros adoecem com freqüência. As
doenças mais comuns são distintas em adultos e crianças.
Os adultos são acometidos de reumatismo, dor na coluna, pressão
alta, infecção urinária e gastrite. As crianças,
por sua vez, são vitimadas por sucessivas gripes, verminoses,
desidratação, micoses e diarréia.
A infraestrutura dos domicílios
interfere diretamente no aparecimento de algumas das enfermidades ali presentes:
a ausência de esgotamento sanitário, de tratamento domiciliar
da água (filtragem, fervura, entre outros), o contato cotidiano com
o lixo nas vizinhanças do domicílio e a presença de
vetores dentro das casas facilitam a expansão do número de
casos.
As formas de cura proporcionadas pela
flora nativa são outro aspecto das interações da
família do pescador com o meio. Para os problemas de estômago,
os chás são pouco utilizados, sendo eles de 'canabrava' e 'pau
jaú'. Para a tosse das crianças, ministra-se, em alguns casos,
xarope caseiro feito da partir da 'embaúba'.
Escolaridade da família
Com relação ao nível
de instrução formal do pescador, predomina o analfabetismo.
Muitos pescadores aspiram alfabetizar-se, sendo a montagem de uma escola
de adultos, por exemplo, uma reivindicação da Colônia
de Pescadores de Pirapora. Em relação aos filhos, a
educação escolarizada é vista como uma
contraposição sadia ao saber tradicional. A escola torna-se
um meio de ascensão social que projeta para seus filhos um destino
diferente: ao reproduzir valores da vida urbana, preparam-nos para sobreviver
e se reproduzir socialmente nesse meio.
Perspectivas e aspirações dos pescadores profissionais
Não há disposição
das famílias em se deslocar definitivamente do território onde
se encontram inserida. Mas os pescadores pensam nessa possibilidade para
os filhos jovens em virtude da escassez de emprego na região. O emprego
assalariado é uma das aspirações mais fortes dos pais
em relação ao futuro econômico dos membros jovens na
família. Muito do empenho dos pais na educação escolarizada
dos filhos é explicada por essa aspiração.
Perfil tecnológico do pescador profissional
A pesca no Alto-Médio São
Francisco é realizada com embarcações e equipamentos
produzidos artesanalmente pela família: grande parte dos barcos são
de madeira e o remo ou pequenos motores são a forma de impulsão
mais utilizadas.
O uso de apetrechos monoespecíficos
como as tarrafas, anzóis e espinhéis indica a existência
de condições ambientais favoráveis à
reprodução dos peixes de grande porte e de grande importância
econômica. O uso de apetrechos multiespecíficos - como as redes
e as malhadeiras - mais intensificada é a pressão sobre
vários estoques, já que aumenta a possibilidade de capturar
quantidades maiores e de haver variabilidade na captura, consistindo inclusive
daquela que, não dotada de importância econômica, será
desprezada, numa extração dilapidadora do recurso
pesqueiro.
A atividade pesqueira no Alto-Médio
São Francisco pode ser considerada monoespecífica, sendo a
maioria dos apetrechos utilizados na captura de peixes aqueles que caracterizam
tal modalidade.
A tarrafa é bastante utilizada
pelos pescadores. Elas têm, em média, altura aproximada de 3,0
metros, 30 metros de abertura (roda) e malha variam entre 8m e 17cm. Quando
utilizada, a tarrafa necessita de manutenção constante, que
é realizada pelo próprio pescador.
O espinhel é aparelho pouco utilizado
pelos pescadores do Alto-Médio São Francisco. Sendo utilizado
para a pesca tipicamente de fundo e para a captura de grandes peixes, os
pescadores estão deixando de utilizá-lo devido à falta
dos peixes-alvo, como o surubim e dourado.
Instrumentos de pesca de baixo custo -
e que, portanto, seriam passíveis de aquisição pelos
pescadores do Alto-Médio São Francisco -, seriam a linhada,
a fisga, o cavalinho e a vara. Mas estes são também pouco
utilizados por estarem associados à captura de grandes peixes. Uma
variante do anzol de espera é a linhada, modalidade utilizada
residualmente pelo pescador profissional. O uso da vara de pesca ocorre
entre poucos pescadores profissionais.
Os instrumentos multiespecíficos,
como a rede de espera e malhadeiras, são utilizados
pelos pescadores no seu dia-a-dia de trabalho. Geralmente, as redes têm
30 metros de comprimento por 3,5 metros de altura e suas malhas variam entre
12 e 20 cm. Geralmente, a confecção e manutenção
das redes de espera são feitas pelos próprios pescadores e
familiares.
O nível tecnológico do pescador
repercute na forma como o mesmo reage aos impactos negativos sobre os estoques
pesqueiros. Quanto mais rústicos os equipamentos e formas de
impulsão da embarcação, menores as chances de explorar
um ambiente com escassos recursos pesqueiros ou fugir para explorar um ambiente
mais produtivo.
A pesca tem ritmo do trabalho que é
ditado pela natureza: a hora de sair, de colocar a rede e recolhê-la,
ou jogar de tarrafa, não são desígnios diretos das
relações sociais, mas do comportamento dos peixes. A jornada
de trabalho é descontínua mas absorve grande parte do dia,
impedindo que o pescador se dedique simultaneamente a outras atividades.
Esta diferença de ritmos faz com que a pesca pareça 'indolente'
e 'livre' comparada à outras atividades de tempo demarcado. Isso é
mera impressão pois ela se constitui em trabalho árduo e
contínuo.
Comercialização do pescado
Grande parte da comercialização
a varejo do pescado é feita por intermediários, conhecidos
como peixeiros. Poucos pescadores vendem o peixe na sua própria
residência. Outros superaram o constrangimento e vendem o peixe de
casa em casa. O pescado é vendido fresco para o peixeiro. Poucos são
os pescadores que possuem geladeira e/ou freezer. A salga não é
usual pois não existe mercado para o produto salgado. Procedimentos
de agregação de valor ao pescado, como beneficiamento do couro,
produção de farinha de peixes, etc, não são
praticados.
A degradação do rio e da pesca sob a ótica dos pescadores profissionais
O conjunto de idéias e valores dos pescadores
acerca do processo de degradação do rio e da pesca no
Alto-Médio São Francisco apresenta-se como um quadro
de referência social e ambiental que não deve ser desprezado.
Quais são os problemas que o pescador enfrenta? A que se devem
esses problemas? Como superá-los? Quais as suas aspirações
? Leia abaixo as respostas dos pescadores profissionais a essas perguntas.
"Tem havido agressões por desmatamentos, as lagoas marginais,
que são o berçário do rio, não recebem
água porque as barragens impedem. As lagoas acabam criando
peixe adulto que deixam de sair pro rio e repovoar o rio. Por isso,
o peixe vem diminuindo no rio. Os fazendeiros drenam as lagoas para
o plantio de arroz e acaba também com elas. As cidades ribeirinhas
tão crescendo, os esgotos domésticos descem para o rio.
As indústrias também estão jogando a poluição
prá dentro da água."
Sr.Norberto, 51 anos, pescador profissional. São Gonçalo
do Abaeté/MG
"Hoje não tá tendo mais peixe. O negócio é
o seguinte: o peixe é igual a nós. O senhor, amanhece
o dia, o senhor vai pro serviço, vai prá casa almoçar,
volta pró serviço e, à noite, volta prá
casa. Do mesmo jeitinho é o peixe. Ele mora na pausada. Então,
os pescador, cresceram os olhos, limparam a pausada e o peixe desapareceu
do lugar da pausada, porque tá tudo limpo, não encontram
mais a casa deles. Mas, tem peixe ainda. Sabe onde? Nas pedreiras
e nos córregos fundos. Então, se não tem mais
peixe no rio São Francisco, é por causa da usura do
pescador."
Sr. Benedito, 97 anos, pescador profissional. Município
de Januária/MG
"Eu admiro demais o pescador amador que vem fugir da cidade grande
se distrai. Antes a pessoa não queria sair da cidade, dizendo
que aqui, no mato, tinha febre amarela, tinha mosquito, tinha onça.
Hoje a cidade virou um verdadeiro inferno. Chega aqui, ele não
consegue pegar o peixe, vê o profissional, que é um coitado,
conseguindo, que quer vender prá ele. Então, ele fica
contra a pesca profissional. Mas tem que ver que é para a sobrevivência
dele. Ele não pode impor que o profissional tem que parar porque
o profissional não tem outra forma de viver."
Sr.Norberto, 51 anos, pescador profissional. São Gonçalo
do Abaeté/MG
"Há 30 anos atrás o rio era bom, não tinha
barragem. Aí, as barragens de Sobradinho e Três Marias
cortaram o rio e aí ficou difícil para a sobrevivência
do peixe. Também, tem havido falta de chuva, o desmatamento,
que ficam difícil pro peixe, que só aparece um pouco
no tempo das águas. Tá morrendo muitas toneladas de
peixe por causa de lixo jogado pelas indústrias. Se tivesse
enchente, jogado água prás lagoas e jogava peixe delas
pro rio."
Sr. José, 53 anos, pescador profissional e vice presidente
da Colônia de Pescadores Z-1. Pirapora/MG
"A Colônia Z-2, de Januária, está passando
dificuldades.. está sobrevivendo do aluguel de parte de sua
área para pagar luz e água. Como ela é uma instituição
sem fins lucrativos e não tem assistência de ninguém.
Não temos verba da União, do estado ou dos municípios(...)Os
pescadores quase não participam da Colônia(..) Há
quase um ano não tem peixe aqui na minha área. Não
temos rio que deságua na nossa área, de Januária,
(..) Tem pescador com 10 filhos, não tem como sustentar ."
Sr. Milton, presidente da Colônia Z-2. Município de
Januária/MG
"Quando a gente limpa o lanço prá colocar as redes,
os outros, pescador amador ou profissional, tem que respeitar o trabalho
dele."
Sr.João, 41 anos, pescador profissional, presidente da Colônia
Z-3. São Francisco/MG
"A pesca amadora atrapalha bastante porque faz a pressão
pra fechar a pesca de malha, profissional. Ele tem boas iscas, tem
dinheiro. O pescador amador vem prá gastar com os equipamentos
de captura, é esporte. Prá gente, é sobrevivência.
Mas eles se colocam contra nós. Hoje, o peixe mal paga a feira
da semana."
Sr. Luís, 43 anos, pescador profissional. Pirapora/MG
"Os peixes tão tudo presos nas lagoas. A Polícia
Florestal sabe disso mas não faz nada. Daqui a Januária
tem pouco lugar prá botar rede. O que tá acabando com
os peixes também é o anzol, que tem em todo o canto."
Manoel, 65 anos, pescador profissional. São Francisco/MG
"Na época em que a gente pegava muito peixe, todo mundo
conhecia e respeitava. Hoje, não pode comprar nada no comércio,
porque não tem crédito. Meu fogão pifou e não
pude comprar outro porque o comércio não achava que
a gente é trabalhador."
Sr. Luís, 43 anos, pescador profissional. Pirapora/MG
"Quando o peixe tá miúdo, a malha tá miúda,
o pescador tá errado e a fiscalização tá
certa. Então, a Colônia não pode fazer nada por
ele. Mas quando a fiscalização não age de acordo,
a Colônia vai até lá, tirar a multa, recuperar
os equipamentos. É bom que cada um possa agir no conforme."
Sr.João, 41 anos, pescador profissional, presidente da Colônia
Z-3. São Francisco/MG
"Não é o peixe que está acabando. É
a natureza que está sendo modificando, por exemplo, pelos fazendeiros,
que prendem as lagoas por um ano e só eles usufruem do peixe
que foi prá dentro na enchente. Durante uma época que
eu trabalhei na Florestal - sou sargento da reserva - nós trabalhava
junto com a Marinha e explodíamos as barragens feitas pelos
fazendeiros. Aqui em Januária tem entre 10 e 15 lagoas nessa
situação."
Sr. Milton, presidente da Colônia Z-2. Município de
Januária/MG
"Hoje aumentou o número de pescadores por falta de emprego
na cidade. Antigamente, tinha fartura de peixe, tinha mercado, o pescador
vivia melhor. Hoje ele pega um pouco, ou nada, e vive em grande dificuldade."
Sr.Luís, 43 anos,pescador profissional. Pirapora/MG
"O maior problema que temos na Colônia de Pirapora, é
o IBAMA . Tem muito pescador que são profissionais mas são
mal tratado, corre atrás do pescador quando pesca da piracema.
Mas a gente sobrevive daquilo, os que arriscam pescar porque não
ganham o salário desemprego. A fiscalização é
boa quando corrige; mas não quando trata a gente como bandido,
chega com revólver pro trabalhador, quebra a porta e invade
o rancho do pescador. Precisa de certa educação pra
conversar com a gente. Isso revolta o pescador."
Sr. José, 53 anos, pescador profissional e vice-presidente
da Colônia de pescadores Z-1.Pirapora/MG
"Não tem cheia. Sem cheia, vão tirando um peixe que
não tá repondo. Tem quase 90% a menos de peixe do que
se encontrava em 1982. Aí, a vida do pescador, de lá
para cá piorou muito."
Sr.João, 41 anos, pescador profissional, presidente da Colônia
Z-3. São Francisco/MG
Mensagem do pescador profissional para a sociedade
"Eu queria que deixassem de ver o pescador como vilão. A
pesca bem feita não faz o rio sofrer. A pesca profissional
sempre existiu. Algumas modalidades precisa fazer a correção,
das modalidades ou das leis. A gente precisa sentar junto prá
discutir. Não queremos ser extintos porque nós não
temos do que sobreviver. Faz o que com a proibição das
redes? Tô olhando prá aquele que é marginalizado
pela fiscalização, que mora com a família num
rancho de capim. Se eu tô tecendo um rede de malha proibida,
a fiscalização toma, não adianta se não
houver educação ambiental: dizer que o pequeno tirado
de pequeno vai fazer falta pros filhos e pros netos no futuro.."
Sr. Norberto,51 anos, pescador profissional. São Gonçalo
do Abaeté/MG
"O governo não investe no pescador. É preciso que,
se eles quiserem acabar com a pesca, criar outro meio de vida pro
pescador. A gente acha que o peixe tá ruim e que precisa recuperar.
Mas criar um meio decente do pescador viver, com um salário
digno."
Sr.Policarpo, 41 anos,pescador profissional. Januária/MG
"Antes, a SUDEPE, quando existia, comprava material prá
Colônia. Mas nunca houve nada para o pescador e deveria existir."
Sr. José, 53 anos, pescador profissional e vice-presidente
da Colônia de pescadores Z-1. Pirapora/MG
"Eu tenho uma mensagem pra os outros pescadores profissionais:
o sangue de todos os beiradeiros é o mesmo. São cinco
povos no São Francisco - mineiros, baianos, sergipanos, alagoanos
e pernambucanos, mas as mesmas características na luta e no
sofrimento. Mas todos precisam saber que, de onde se tirar e não
se colocar, acaba. Se nós tiramos do rio fora das normas, praticando
a pesca predatória - aquela que se faz, por exemplo, com bomba
- não vai ter pro futuro nosso também. É preciso
tirar apenas os adultos. Se você retirar um dourado de dez quilos
tá fazendo um favor prá natureza, porque ele come seis
quilos de peixe por dia, entre eles quatro quilos só dos filhos
dele. Ele não diexa parente. Honre a sua profissão:
o agricultor saber a época certa de plantar e de colher e assim
a a pesca. E fazer a nosa união, integrar mais as colônias."
Sr. Norberto,51 anos, pescador profissional. São Gonçalo
do Abaeté/MG
"A maioria desfaz da gente. Não temos crédito na
cidade porque não temos renda. Era precisa dar valor do pescador.
É gente que é profissional. Profissional hoje também
trabalha sem carteira assinada, sem salário fixo."
Sr. José, 53 anos, pescador profissional e vice-presidente
da Colônia de pescadores Z-1. Pirapora/MG
"Que o IBAMA, o IEF, fornecessem pra CEMIG o momento exato em que
a água deveria ser liberada para as lagoas marginais para o
peixe desovar lá. Que o IBAMA e o IEF fiscalizassem, também,
a mata ciliar, que serve de alimento pros peixes. Tem que tirar o
gado da mata ciliar(...) Prá repovoar o rio no prazo mais curto?
A única coisa que repovoa o rio é a água. É
preciso voltar a ter enchente para repovoar o rio."
Norberto, 51anos, pescador profissional. São Gonçalo
do Abaeté/MG
"É preciso ter melhor material. Muitos pescam no remo. Precisava
ter uma tralha boa prá poder ir mais longe. O governo poderia
ajudar, da mesma forma que fazem pra os lavradores: financiar a compra
de material nas condições que dá prá gente
pagar. A gente podia, também, ter uma cooperativa, um armazém,
que pudesse comprar comida e pagar com peixe."
Sr. José, 53 anos, pescador profissional e vice-presidente
da Colônia de pescadores Z-1. Pirapora/MG
"A Colônia deveria servir como uma cooperativa para todos
os pescadores, em que eles chegavam do rio, a Colônia pagava
prá eles e a Colônia venderia."
Sr.João, 41 anos, pescador profissional, presidente da Colônia
Z-3. São Francisco/MG
Para saber mais
- BORGES, Janice R.P. A exclusão social no processo
de interiorização do desenvolvimento paulista: um estudo sobre
as famílias ribeirinhas do Tietê, Piracicaba e Paranapanema.
São Carlos: Programa de Pós Graduação em
Ciências Sociais/UFSCar,1997.(dissertação de
mestrado)
- CAMARGO, S. Sociobiologia da gestão participativa
dos pescadores comerciais do rio São Francisco, MG, Brasil. Rio
Claro: UNESP,1998 (dissertação de mestrado)
- MARQUES, José G.W. Pescando pescadores: etnoecologia
abrangente no Baixo São Francisco. São Paulo:
NUPAUB-USP,1995.
Contribuição de Nivaldo Nordi; Norma F.L.
S.; Valêncio, M.I.R.M. e dos estudantes Sandro
A. T. de Mendonça, Isabel Mendonça, Alessandro A. Leme, Juliano
C. Gonçalves, Silvana A. Félix, Suely P. Val e Carlos A. Agnolon.
Publicado em 30 de outubro de
2001 |