A pesca nas corredeiras de Buritizeiro

Alexandre L. Godinho  
 

Pescador usando a tarrafa nas corredeiras de Buritizeiro.

 

Este estudo foi realizado com os pescadores da cidade de Buritizeiro, Minas Gerais. A pesca praticada por este grupo ocorre no Rio São Francisco, próximo à ponte que une Buritizeiro ao município de Pirapora (MG). Este trecho do rio é uma região de corredeiras e a pesca nele é considerada ilegal. Cerca de 30 pescadores freqüentam esta região e sua grande maioria (80%) não possui carteira profissional. A pesca é realizada neste trecho principalmente com o uso de tarrafa  e em seguida, por uma armadilha fixa denominada colfo. A comercialização do pescado é feita na própria cidade, no atacado pelos atravessadores e nos restaurantes de Pirapora. A existência de uma segregação espaço-temporal, entre os pescadores, na utilização de pontos de pesca em determinadas regiões das corredeiras leva a hipótese de que exista um comportamento territorial.

Metodologia

Durante o trabalho foram realizadas três viagens ao campo, de uma semana de duração cada, nos meses de maio e novembro de 1999 e julho de 2000. Os dados foram coletados a partir de entrevistas livres e estruturadas com 26 pescadores (86% dos que pescam nas corredeiras de Buritizeiro) e por meio de observação direta.

Resultado e discussão

Os pescadores entrevistados tiveram a idade variando de 27 a 70 anos. A grande maioria (61,6%) tem menos de 45 anos. Cerca de 17 (70%) dos pescadores têm até quatro filhos e três disseram não ter nenhum.
Apenas dois (7,7%) dos pescadores afirmaram terem trabalhado durante toda a vida somente com pesca. Cinco (19%) dos entrevistados são aposentados de firmas da cidade de Pirapora, dez (40%) possuem outros empregos e onze (44%) vivem atualmente somente da pesca. Quanto à origem, doze (46%) são da cidade de Buritizeiro, nove (35%) são de cidades próximas à região e cinco (19%) são do Estado da Bahia, contudo, criados em Buritizeiro. O tempo de pesca variou de três a 46 anos de atividade, sendo que nove pescadores (36%) têm entre 10 e 20 anos e sete deles (28%) entre 21 e 30 anos de pesca.
Existem três regiões da cachoeira (forma como se referem à corredeira) onde ocorre a divisão espaço-temporal da atividade da pesca. Estas regiões são denominadas de “Cabeça do Rego”, “Toma Banho” e “Pedra do Descanso e Barbaio”.
Para cada uma destas regiões existe um grupo de pescadores que possuem o direito de seu uso em determinados horários. Segundo os pescadores, este arranjo passou a existir após a pesca na corredeira ter sido proibida, pela legislação da pesca, na região de Buritizeiro e Pirapora. Antes da proibição, apenas os pescadores mais antigos e com carteira pescavam na cachoeira. Havia apenas um ponto de uso exclusivo de um pescador, a Pedra do Descanso. Os demais pontos, todos tinham direito do uso, mas entravam na cachoeira uma dupla por vez, por ordem de chegada. Após a proibição, houve o abandono destes pontos por vários pescadores que passaram a temer a fiscalização e assim o direito ao uso destes pontos e horários passaram a ser dos pescadores mais novos que os acompanhavam como aprendizes e ajudantes, durante as pescarias. Houve então a transferência do uso dos pontos aos filhos, netos ou sobrinhos e a pescadores amigos e mais jovens que ainda não tinham o direito sobre nenhum ponto.
Também surgiu após este período o comportamento denominado de ir na aguarda. Na aguarda qualquer pescador pode entrar nos pontos de pesca para pescar, atrás dos pescadores donos do ponto e somente enquanto estes estiverem dentro da cachoeira pescando.

"... Antes da florestal, os mais véios não deixavam pescar quem não tinha carteira. Depois da florestal, ninguém podia pescar...portanto, ninguém poderia ser dono de ponto. Com isso, começaram a aparecer pescadores de aguarda, já que nenhum pescador tinha direito de proibir ninguém...."*

Para estes três pontos existem horários de entrada que duram cerca de 50 minutos cada um, em média (pode ser maior, se a produção estiver sendo alta). Os horários de entrada no rio são, no período diurno, 9:00, 12:00 e 15:00h e, no noturno, 18:00, 00:00, 03:00 e 6:00h
Dos pescadores entrevistados e que tem direito ao uso dos pontos, seis (23%) herdaram de avós, pais, irmãos ou parceiros antigos, seis (23%) compraram de outros pescadores, oito (31%) usam os pontos desde o início da divisão com os pescadores mais antigos e os seis restantes (23%) frequentam os pontos na aguarda ou as vezes utilizam estes quando o dono da hora no ponto não pode pescar e oferece a vez em troca de metade da produção.
Os demais locais da corredeira não possuem rodízio, qualquer pescador pode pescar a qualquer hora do dia, sem seguir os horários de entrada da manhã e à noite. O principal motivo apontado pelos pescadores para a existência do rodízio nos três pontos comentados, é a maior produtividade da pesca nestes setores, por ser o local de passagem do peixe na cachoeira.
Os pescadores, além de nomear os pontos na cachoeira, também nomeiam os “lanços”, os locais onde lançam a tarrafa durante a pesca. Na tabela abaixo vemos os nomes dos lanços por ponto de pesca.

Lanços por ponto de pesca

 

 

Porque esse ponto se chama...

Lanço do pulo? "...é porque a curimatá pula quando chega lá..."*

Buraco de Adão? "...porque só ele lançava naquele lugar, ele que inventou esse lanço..."*

Buraco ruim? "...é o melhor lugar para pegar peixe, mas tem esse nome, engancha a rede. É cheio de pedra e loca..."*

Chiqueirinho? "...pegaram um porco descendo lá, ganhou esse nome..."*

Pedra do piau? " ...porque pega muito piau lá na seca. É um buraco, piau cai lá dentro e aí seca e ficam preso..."*

* Estas explicações foram dadas entre os anos de 1999 a 2002 pela comunidade de pescadores da "cachoeira" de Buritizeiro, Minas Gerais

 


Contribuição de Ana Paula G. Thé e Nivaldo Nordi
Trabalho apresentado no III Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia realizado em Piracicaba, SP, de 16 a 21 de julho de 2000.

 

Publicado em  16 de fevereiro de 2007

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