Pesca profissional: contribuições, reivindicações e perspectivas

Alexandre L. Godinho  
 

O pescador tem sua profissão reconhecida desde 1940 pela Marinha e a pesca artesanal foi regulamentada no Brasil em 1967, pelo Decreto Lei 221, como atividade relacionada à produção. Em 1973 o Ministério da Agricultura instituiu as organizações representativas da classe, constituídas por Confederação Nacional, Federações Estaduais e Colônias de Pescadores.

 É sabido que no Estado de Minas Gerais somos aproximadamente 30.000 (trinta mil) pescadores organizados direta e indiretamente em 10 Colônias Federadas e 8 Associações de Pescadores. Esse grupo social deve ser encarado como importante patrimônio cultural da nação. (In Miguel Petrere Jr./Unesp.)

O pescador profissional representa os “olhos da sociedade” nas águas doces de Minas Gerais, porque delas e nelas vive e diariamente nos dá notícias sobre sua qualidade. Contudo, constitui uma classe social mais frágil perante a pesca esportiva e em conseqüência de sua tradição educacional própria permanece à margem das decisões que o afetam, determinadas sem a sua efetiva participação.

A pesca profissional é muito dificultada devido à melhor organização dos pescadores esportistas, da sua penetração na mídia e mobilização no sentido de proibir a pesca profissional em águas continentais brasileiras, sem dados evidenciais e sinais de exploração. A grande influência política dos pescadores amadores, viabiliza ações favoráveis às suas atividades, à exemplo do recém lançado Programa Nacional de Desenvolvimento da Pesca Amadora pela Embratur, Ibama e o Programa Nacional das Nações Unidas.

Este esporte movimenta grandes capitais no mercado do turismo nacional e internacional, somando cifras de consumo e geração de empregos inerentes à esta fatia de mercado, incomparável ao setor de produção protéica do profissional da pesca, onde a sociedade ainda praticamente nada investiu.

É possível conviver com a pesca amadora, não se trata de coibir uma ou outra modalidade, mas da premente necessidade de mitigar o conflito hora existente, através de regulamentação e políticas educativas.

 Ressaltamos que a extinção da pesca profissional representa o fim de ricas tradições a respeito dos ciclos de vida da maior fauna aquática mundial, da ecologia das águas e barrancas.

Qualquer exploração dos recursos pesqueiros deve ser debatida entre as partes interessadas, já que o uso desses recursos é uma questão ética muito delicada. Fator pouco observado, podendo citar a Lei Estadual 12.265 de 96, Decreto 38.744/97 e Portaria atual da piracema, que permite ao pescador amador a captura de 5kg de peixes e restringe a “pesca de subsistência”, sedendo-lhe uma captura de apenas 3 Kg, situação no mínimo socialmente insustentável.

A Federação de Pescadores Profissionais do Estado de Minas Gerais está fazendo gestão através do Centro de Apoio ao Pescador em Três Marias, no sentido de formar uma rede de trabalho com universidades, pesquisadores e organizações mundiais ligadas ao setor da pesca, conectando as estatísticas, estudos biológicos e sócio econômicos, para obter um banco de dados sobre a realidade atual dos estoques pesqueiros e rotas dos peixes migratórios, (iniciando-se notadamente no São Francisco, trecho Três Marias a Januária), proposta em andamento com a World Fisheries Trust-Canadá.

Informações de cunho técnico/científico são absolutamente necessárias para fundamentar o debate sobre o uso dos recursos pesqueiros e garantir a criação, revisão e aplicabilidade da legislação estadual e federal, sem grandes conflitos e prejuízos principalmente para a classe menos favorecida.  As afirmações falsas e tendenciosas que fazem a sociedade acreditar ser a pesca profissional a atividade “Predadora da Natureza” impossibilita o exercício da profissão de forma disciplinada e protegida, marginalizando-a através de práticas excludentes, impedindo assim o desenvolvimento do setor.

Devemos focar seriamente as origens dos impactos prioritários, que têm como conseqüência o declínio dos níveis de estoques pesqueiros. A título de exemplo, podemos citar o rio das Velhas e Paraopeba que recebem efluentes de mineradoras, de industrias e atividades ilegais, além dos esgotos humanos, causando a diminuição da biodiversidade e inviabilizando a utilização das águas e a pesca. No entanto, há mais de 15 (quinze) anos está legalmente proibida a pesca profissional no Rio das Velhas e Paraopeba, medida que não tornou estes rios novamente piscosos como outrora ...

Senhores Deputados e demais presentes, é lamentável que deixando de lado as atividades de maior poder de degradação, ataca-se o profissional da pesca, passando para a população uma imagem distorcida da realidade. A sociedade não vê quem polui, não consegue enxergar os tóxicos diluídos nas águas - sobra no rio um único “alvo móvel”: o pescador profissional.

Na reunião preparatória para este Debate Público, realizada pela nossa Federação, os Presidentes de Colônias e lideranças de pescadores profissionais do Estado de Minas Gerais, priorizaram como meta: A urgência de políticas para o desenvolvimento sustentável do setor, que garanta:

  • participação dos pescadores na criação e ou alterações na legislação vigente, harmonizando as leis atualmente concomitantes e ou conflitantes, especificamente a legislação Estadual que proíbe a pesca profissional;
  • definição clara das competências e atribuições dos órgãos de controle e fomento da pesca profissional no Estado de Minas Gerais;
  • viabilização de programas e financiamentos para desenvolvimento da pesca profissional artesanal das águas interiores;
  • programas de qualificação, em especial na agregação de valor ao pescado;
  • acesso às margens dos rios, que se encontra impedido por proprietários das terras ribeirinhas;
  • revisão das normas de benefícios do INSS, de forma a atender melhor aos pescadores profissionais artesanais;
  • recursos financeiros para subsidiar pesquisas na produção de peixes nativos;
  • reconhecimento do papel da mulher na pesca como força de trabalho;
  • viabilizar estudos para diminuir os impactos causados pelos grandes barramentos e hidrelétricas, assim como legislações específicas propostas;
  • participação das Colônias na expedição das Carteiras de Pescador Profissional, notadamente neste momento de transferência de atribuições do IBAMA para o Ministério da Agricultura;
  • aplicação dos recursos financeiros arrecadados pelos órgãos públicos, inerentes à pesca, no desenvolvimento do setor.

Parabenizamos e agradecemos a todos por esta oportunidade única, em especial pela iniciativa da Comissão de Meio Ambiente e Recursos Naturais desta Assembléia Legislativa, na promoção de tão importante debate.

Em qualquer âmbito, a qualidade e quantidade das águas, deve ser a questão prioritária, para a definição conjunta de novos rumos, perante o desafio da diminuição dos estoques pesqueiros.

 Encerrando esta exposição, faço minhas as palavras do amigo Norberto dos Santos, líder dos Pescadores profissionais: “ A única coisa que repovoa o rio é a água”.

 Foi bom poder lhes falar, obrigada.

Bárbara Johansen,
Presidenta da Federação de Pescadores
do Estado de Minas Gerais


Íntegra do texto apresentado no debate público sobre "O Setor Pesqueiro no Limiar do Próximo Milênio" realizado em Belo Horizonte em 19/10/99 na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

Publicado em  30 de outubro de 2001

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