"O que o peixe come" segundo pescadores artesanais de Três Marias

Os pescadores possuem observações e experiências detalhadas, pragmáticas e sofisticadas sobre o ambiente de pesca e acerca dos recursos que eles exploram. Esse conhecimento permite a eles saber, entre outras coisas, o que cada peixe come.

Com o objetivo de compreender e sistematizar o conhecimento dos pescadores sobre a alimentação de algumas das principais espécies de peixes da represa de Três Marias, os pesquisadores Ana P. Thé e Nivaldo Nordi do Departamento de Hidrobiologia da Universidade Federal de São Carlos entrevistaram 43 pescadores, incluindo 4 mulheres, durante o ano de 1997. As principais informações obtidas dessas entrevistas estão resumidamente apresentadas a seguir.

Os pescadores entrevistados residem em cidades que circundam a represa. A maior parte, 80%, é oriunda de Minas Gerais. Aproximadamente 60% pescam na região há 18 anos ou mais e têm na pesca a sua principal atividade econômica. A maioria tem idade acima de 30 anos. O grau de escolaridade varia do analfabetismo até o primeiro grau incompleto. A maioria é casada e tem 4 filhos em média, praticamente todos freqüentando a escola. A maior parte das esposas também tem idade acima de 30 anos e escolaridade similar à dos maridos. A quase totalidade dos entrevistados possui casa própria, de tijolo, com 5 a 6 cômodos em média e água encanada.

Os pescadores da represa de Três Marias possuem conhecimento detalhado sobre a ecologia alimentar dos peixes, representado através de informações que relatam "o que o peixe come" e "quem come o peixe". Os peixes mais citados como "comidos" foram os curimbatás (Prochilodus margravii e P. affinis), o piau (Leporinus spp.), a corvina (Pachyurus francisci e P. squamipinnis) e a pirambeba (Serrasalmus brandtii). O piau e as piabas, conjunto de pequenos peixes que inclui os gêneros Astyanax, Creatochanes, Moenkhausia, Tetragonopterus, Hemigrammus, Holoshestes, Triportheus, Roeboides e Anchoviella, foram citados pelos pescadores como os peixes "comidos por todos". As "fiações" ou os "filhotes", nomes dados aos alevinos de todas as espécies, também são muito citadas como presas.

Os principais predadores ("quem come o peixe") são o tucunaré (Cichla monoculus), o surubim (Pseudoplatystoma coruscans), a piranha (Pygocentrus piraya), o dourado (Salminus brasiliensis), a traíra (Hoplias malabaricus) e a corvina. A piranha e o tucunaré foram considerados pelos pescadores como peixes que "come todos os outros". O tucunaré e a traíra foram citados como predadores de "fiações". Além disso, o tucunaré, bem como a corvina, são aqueles que "comem os filhotes deles e dos outros".

Piau, piaba, cascudo (Hypostomus sp.), mandím (Pimelodus maculatus) e curimbatá são os peixes que "não comem outros peixes".

A piranha é percebida pelos pescadores como o "peixe comedor de peixe morto". A conhecida agressividade da piranha justificou-lhe a categorização de "peixe tão bravo que onde ela bate a boca, ela arranca fora".

Com as informações obtidas junto aos pescadores, Thé & Nordi construíram a teia alimentar que é apresentada a seguir:

 

 

Para saber mais

  • Marques, J.G.W. Pescando pescadores: etnoecologia abrangente no baixo São Francisco alagoano. São Paulo, NUPAUB/USP, 1995. 285p.
  • Thé, A.P.G. & Nordi, N. "O que o peixe come" na interpretação de pescadores artesanais. Revista da Sociedade Brasileira de Etnobiologia. (no prelo)

 


Texto adaptado do artigo de Ana P. Thé e Nivaldo Nordi (no prelo) por Alexandre L. Godinho

Publicado em  30 de outubro de 2001

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