O ovo dos peixes e sua casca engenhosa
Alexandre L. Godinho |
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Fotomicrografia de ovo de peixe |
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Os ovos de peixe possuem uma casca resistente que envolve o embrião
e o protege tal como nas aves e em outros animais. Em muitos peixes,
o ovo é tão pequeno que não se consegue examiná-lo
a olho nu (vide a tabela abaixo para conhecer mais acerca do tamanho
dos ovos de algumas peixes do São Francisco). Todavia, com
o auxílio de uma lupa rudimentar, a casca transparente permitir
que embrião possa ser visto no interior do ovo. Desse modo,
pode-se acompanhar o desenvolvimento do embrião que estará
pronto para sair do ovo em questão de horas. Nos peixes de
piracema (piracema = migração dos peixes em direção
aos locais de reprodução), a superfície lisa
da casca facilita que os ovos sejam levados rio abaixo. Por outro
lado, em muitas espécies não migradoras (ou sedentárias),
a casca é provida externamente de delicados apêndices
que a tornam áspera e permitem ao ovo utilizar-se de diferentes estratégias
para a sobrevivência do embrião. Esses apêndices
funcionam com adesivos e assim, dependendo da espécie, prendem
o ovo aos seus irmãos ou a troncos, folhas, pedras ou em qualquer
outro objeto submerso. Em vista de seu tamanho minúsculo, a
observação da superfície externa da casca exige
a utilização de técnicas mais sofisticadas com
o auxílio do microscópio eletrônico. Recentemente,
um grupo de cientistas mineiros estudaram a fundo a superfície
da casca do ovo de várias espécies de peixes, incluindo
algumas do São Francisco. Eles descobriram que há grande
diversidade de formas dos apêndices para as quais deram denominações
apropriadas: poros-canais, poros em forma de favos-de-mel, cristas,
glóbulos, filamentos, botões, rede fibrilar, disco micropilar
e camada gelatinosa (a aparência de alguns desses apêndices
pode ser observadas nas figuras abaixo). Descobriram também
que a diversidade de tipos de apêndices ocorre apenas nos peixes
de escama pertencentes ao grupo dos Characiformes. Os ovos dos peixes
de couro (Siluriformes) possuem um único tipo de apêndice,
isto é, a camada gelatinosa.
Diâmetro dos ovos de peixes do rio São Francisco
Espécie
|
Diâmetro
do ovo (mm)
|
Aumento
do volume após hidratação (x)
|
Nome
popular
|
Nome
científico
|
Não
Hidratado
|
Hidratado
|
Piaba-do-rabo-amarelo
|
Astyanax bimaculatus
|
1,0
|
1,1
|
1,4
|
Piaba-rapadura
|
Tetragonopterus
chalceus
|
1,3
|
2,4
|
6,8
|
Matrinchã
|
Brycon
lundii
|
1,5
|
3,1
|
9,1
|
Dourado
|
Salminus
brasiliensis
|
1,6
|
3,2
|
7,8
|
Dourado-branco
|
Salminus
hilarii
|
1,6
|
3,3
|
8,7
|
Jeju
|
Hoplerythrinus
unitaeniatus
|
1,4
|
1,8
|
2,0
|
Piau-verdadeiro
|
Leporinus
elongatus
|
1,2
|
2,3
|
6,4
|
Piau-gordura
|
Leporinus
piau
|
1,3
|
3,1
|
11,9
|
Piau-três-pintas
|
Leporinus
reinhardti
|
1,1
|
2,3
|
9,9
|
Piau-jeju
|
Leporinus
taeniatus
|
1,3
|
3,0
|
11,1
|
Piau-branco
|
Schizodon
knerii
|
1,3
|
1,4
|
1,3
|
Saguiru
|
Steindachnerina elegans
|
1,0
|
1,6
|
4,7
|
Manjuba
|
Curimatella
lepidura
|
1,0
|
1,9
|
7,0
|
Curimatã-pioa
|
Prochilodus
costatus
|
1,5
|
4,0
|
19,0
|
Curimatã-pacu
|
Prochilodus
argenteus
|
1,6
|
3,9
|
14,6
|
Serrudo
|
Franciscodoras
marmoratus
|
1,3
|
1,9
|
3,4
|
Pirá
|
Conorhynchos
conirostris
|
1,4
|
2,5
|
6,0
|
Pacamã
|
Lophiosilurus
alexandri
|
3,1
|
3,5
|
1,6
|
Mandi-amarelo
|
Pimelodus
maculatus
|
1,1
|
1,8
|
4,5
|
Peixe-sapo
|
Pseudopimelodus
zungaro
|
1,6
|
2,6
|
4,2
|
Surubim
|
Pseudoplatystoma
corruscans
|
1,7
|
1,5
|
3,3
|
Bagre
|
Rhamdia
quelen
|
1,5,
|
2,6
|
5,8
|
Cascudo-preto
|
Rhinelepis aspera
|
1,6
|
1,7
|
1,3
|
Nota: os ovos de peixes ao serem eliminados pela
fêmea aumentam seu volume em razão de sua hidratação;
por essa razão, nesta tabela são apresentados seus
diâmetros quando ainda não hidratados e após
a hidratação. Note ainda que o tamanho dos ovos e
seu grau de hidratação variam conforme a espécie.
Os dados aqui apresentados foram obtidos em condições
de laboratório através da indução artificial
da desova.
Tipos de apêndices da casca
do ovo de peixes vistos ao microscópio eletrônico
A) Apêndices
tipo poros canais com diâmetros uniformes na casca do
ovo do pacu-caranha (peixe do Pantanal) (aumento = 7060 x);
B) Apêndices do tipo poros canais com
diâmetros irregulares na casca do ovo da piaba-facão
(aumento = 3530 x);
C) Apêndices do tipo em favos-de-mel
na casca do ovo da pirambeba (aumento = 1410 x);
D) Casca do ovo da pirambeba propositadamente
fraturada para mostrar os canais na casca da pirambeba (O e
I são partes componentes da casca) (aumento = 3590 x);
E) Apêndices do tipo cristas na superfície
externa da casca do ovo da piaba-do-rabo-amarelo; as cristas
convergem para o orifício da casca - a micrópila,
por onde penetra o espermatozóide para fertilizar o ovo
(aumento = 1410 x);
F) Apêndices do tipo poros-canais na
superfície externa da casca da piaba-do-rabo-amarelo
(aumento = 2570 x).
A) Apêndices do tipo glóbulos vistos na superfície externa da casca do ovo de piau-branco (aumento = 1410 x);
B) Cortes dos glóbulos: G = glóbulos, ZR = zona radiata (componente da casca) (aumento = 2340 x);
C) Apêndices do tipo filamentos na superfície externa da casca do ovo do peixe-cachorro (aumento = 2820 x);
D) Cortes dos filamentos (seta), ZR = zona radiata, (aumento = 5640 x):
E) Apêndices do tipo vilosidades (V) na superfície externa da casca do ovo da traíra; a zona radiata (ZR) foi propositadamente fraturada (aumento = 7060 x);
F) Apêndices em forma de botões na superfície externa da casca do ovo de peixe-cachorro (aumento = 7060 x) , obtidos por indução artificial da desova
Para saber mais
- Rizzo, E.; Sato, Y.; Barreto, B.P. & Godinho, H.P. Adhesiveness
and surface patterns of egg in neotropical freshwater teleosts.
Journal Fish Biology, 61:615-632, 2002)
- Sato, Y. Reprodução de peixes da bacia do rio São
Francisco: indução e caracterização
de padrões. Universidade Federal de São Carlos, São
Carlos (Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação
em Ecologia e Recursos Naturais), 1999, 179p.
Contribuição de Hugo
P. Godinho
Publicado em 27 de
junho de
2003 |