Migração da zulega no rio São Francisco

 

Figura 1. Distribuição geográfica e migração de zulega no rio São Francisco a jusante da represa de Três Marias (RTM). As elipses mostram a localização geográfica de três populações (Três Marias, Pontal e Corredeira de Pirapora). A localização, e respectiva distância até foz, de quatro marcos geográficos é mostrada pelas setas pretas à direita. As setas à esquerda mostram migração para jusante de ovos e larvas e migração para montante de jovens. A espessura dessas setas indica suposta abundância relativa. Setas conectando a migração dos jovens às elipses indicam recrutamento (R). O modelo não está em escala.

 

A zulega, também conhecida como curimbatá-pacu, atinge cerca de 15 kg e é um dos mais importantes peixes para as pescas comercial e desportiva do rio São Francisco. É um peixe migrador, mas quase nada sobre suas migrações era conhecida.

Graças a estudo de biotelemetria conduzido de 2001 a 2003 com 21 fêmeas e 10 machos, foram determinados vários aspectos fundamentais da migração e da biologia da zulega. Atualmente ela é uma das mais bem conhecidas entre os peixes brasileiros.

Nos primeiros 409 km a jusante da represa de Três Marias existem três populações de zulega, denominadas “Três Marias”, “Pontal” e “Corredeira de Pirapora” (Fig. 1). Os ovos e larvas produzidos por essas populações migram rio abaixo para os seus berçários, que são principalmente as lagoas marginais.

A população de Três Marias parece produzir nenhum ou muito poucos ovos. Os jovens, após passarem um ano ou mais nos berçários, migram em cardumes de volta para os hábitats ocupados pelos adultos. Os adultos também migram, mas não tanto quanto os ovos, larvas ou jovens.

Antes e durante a estação reprodutiva, que vai de novembro a fevereiro, os adultos da população do Pontal migram para a região da foz do rio Abaeté, o Pontal (Fig. 2), onde a desova ocorre em dias de cheia do rio Abaeté.

Após a reprodução, a maioria dos peixes migra rio abaixo para os sítios de alimentação. Um ou outro migra até as corredeiras de Pirapora, mas a maior parte não migra mais do que algumas poucas dezenas de km. Alguns entram em tributários, como o rio Abaeté.

Certas zulegas, após a reprodução, retornam para o mesmo lugar que ocupavam antes de migrarem para o Pontal.

Pouco se conhece sobre a população da Corredeira de Pirapora, além do fato de habitarem todo o trecho do rio que vai da Corredeira de Pirapora até a cidade de Januária e também usarem tributários como o rio das Velhas.

A influência das barragens

  Alexandre L. Godinho
 

Figura 2. As cheias do Abaeté (rio de águas turvas a foto) desencadeiam as desovas das zulegas do rio São Francisco (na foto com águas claras), do Pontal até a foz do rio das Velhas, localizada a cerca de 130 km a jusate.

As zulegas da população de Três Marias comportam-se de maneira bastante diferente devido à influência da represa de Três Marias. A água que vem da represa não possui os gatilhos da desova e, por isso, as zulegas de Três Marias não desovam. Além disso, a maioria também não migra.

Já as zulegas da população do Pontal dependem dos gatilhos da desova trazidos pelas cheias do rio Abaeté para desovar. Como as barragens eliminam esses gatilhos, qualquer barramento no rio Abaeté deverá destruir o sítio de desova do Pontal e aniquilar com as zulegas que aí desovam. As barragens previstas para o rio São Francisco a jusante da represa de Três Marias irão eliminar sítios de desova e berçários de zulega, além de impedir a sua migração na mais diferentes fases da vida. A conseqüência mais provável será a drástica redução da quantidade de zulega.

A migração rio acima de jovens de zulega é bloqueada pela represa de Três Marias. Um sistema de transposição de peixes nessa represa permitiria a continuidade dessa migração. No entanto, importante perguntas sobre aspectos biológicos e mesmo sociais ligados às zulegas necessitam ser investigadas antes da construção de qualquer transposição na represa de Três Marias.

 

Para saber mais

 


Contribuição de Alexandre L. Godinho Lívia Aguiar

Publicado em  22 de agosto de 2006

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