Em curso no país estudo pioneiro sobre a migração do surubim e do curimatá-pacu no rio São Francisco

Alexandre L. Godinho  
 

Uma das estações de rastreamento de peixes foi instalada na região de Pirapora. A foto mostra uma das anteas conectadas à estação e a área do rio 'vigiada'. Qualquer peixe com transmissor que passar nesta área será automaticamente detectado e terá a dereção do seu movimento estabelecida.

 

Grande parte dos peixes de importância para a pesca são de piracema, isto é, migram anualmente entre os locais de alimentação e reprodução. As barragens hidrelétricas têm sido uma das principais causas da diminuição da pesca por impedir o livre deslocamento dos peixes de piracema entre esses dois pontos. Por isso, em diversas partes do mundo vêm sendo construídas passagens de peixes, como escadas, elevadores e eclusas, para permitir que eles as ultrapassem durante a migração.

No Brasil, as legislações de Minas Gerais e São Paulo passaram a exigir, a partir de 1997, a construção de passagens em algumas de suas barragens. Legislação semelhante encontra-se em tramitação no Congresso Nacional.

As passagens de peixes são estruturas hidráulicas complexas e de custo elevado, variando de algumas centenas de milhares a poucos milhões de reais. Para que elas sejam eficientes, são precisos bons conhecimentos acerca das questões de engenharia e da biologia dos peixes, particularmente sobre aqueles que irão utilizá-las.

  Alexandre L. Godinho
 

Durante a cirurgia realizada no rio São Francisco dentro de um pequeno barco, a fêmea de surubim foi mantida semi-submersa dentro de um tanque cirúrgico com renovação da água. O peixe foi imobilizado com campo elétrico de 28 volts. Introzuziu-se o transmissor no ventre através de um corte de cerca de 6 cm de comprimento na sua parede. O corte suturado é visto nesta foto como uma pequena linha preta no meio da parede do ventre um pouco à frene das nadadeiras. Após um banho em fungicida e anti-estressante, a fêmea foi liberdada. Da imobilização à soltura, o procedimento cirúrgico demorou cerca de 80 minutos.

Umas das características de uma passagem eficiente é a sua fácil localização pelos peixes. Em algumas barragens, a água que sai pelas turbinas é fria e permanece assim por vários quilômetros rio abaixo. Suspeita-se que os peixes em piracema não conseguem aproximar-se dessas barragem devido a essa água fria. Caso uma passagem seja instalada em barragem nessa situação, os peixes estariam impedidos de localizá-la. Testar essa hipótese é o objetivo de estudo que está sendo conduzido no rio São Francisco, a jusante da represa de Três Marias (MG), com uso de técnicas de telemetria pioneiras no país. Esse estudo conta com suporte financeiro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, da CEMIG e do US Fish & Wildlife Service e a colaboração do Conte Anadromous Fish Research Center, EUA.

Vinte e dois surubins (Pseudoplatystoma coruscans) e vinte curimatás-pacu (Prochilodus argenteus ) terão cirurgicamente implantados na cavidade do corpo um transmissor que emite sinais na frequência de radio. Entre Pirapora e Três Marias estão sendo instaladas três estações de rastreamento capazes de detectarem, numa distância de até 2 km, o sinal emitido pelos transmissores. As estações, além de poderem reconhecer individualmente cada peixe, determinarão o dia e a hora em que cada um passar no seu raio de ação e qual a direção em que ele está nadando. Essas informações serão guardadas na memória da estação de rastreamento e, de tempos em tempos, enviadas para a Universidade Federal de Minas Gerais através de telefonia celular. Com esse sistema será possível estabelecer para onde os peixes portando os transmissores terão se deslocado e se eles conseguiram alcançar a barragem de Três Marias.

Para testar a técnica cirúrgica de implantação do transmissor, uma fêmea de surubim de 1,05 m e 13 kg foi submetida à cirurgia para a implantação de um radio transmissor na cavidade do seu corpo. Ela foi solta em Pirapora no dia 11 de março deste ano e dois dias depois foi localizada a cerca de 55 km a jusante do local de soltura. Quando da sua última localização, cerca de 70 dias após sua soltura, a fêmea encontrava-se no mesmo local.

 

 


Contribuição de Alexandre L. Godinho.

Publicado em  30 de outubro de 2001

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