A fauna de peixes atual do rio das Velhas
Os estudos realizados pelos Biólogos Carlos Bernardo Mascarenhas
Alves e Paulo dos Santos Pompeu, de 1998 a 2000, dentro das atividades
do subprojeto S.O.S. Rio das Velhas do Projeto Manuelzão, encontram-se
publicados no capítulo 3 do livro Peixes do Rio das
Velhas: Passado e Presente.
Além de uma breve introdução, descrição
da metodologia utilizada e da área de estudos, o capítulo
traz informações sobre a fauna atual e sua distribuição
na sub-bacia, uma comparação desses dados com os dados
obtidos por Lütken no século XIX, além de informações
sobre a degradação ambiental e perspectivas de recuperação
da fauna de peixes do rio das Velhas.
Distribuição atual da fauna de peixes
A distribuição das espécies de peixes ao longo
do rio das Velhas e no rio Cipó
está diretamente relacionada com qualidade destes cursos
d’água. Assim, a análise desta variável
forneceu subsídios para o entendimento dos efeitos dos processos
de degradação da bacia sobre as comunidades de peixes.
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Fig. 1. Número de espécies de peixes registradas nos pontos de coleta ao longo do rio das Velhas, de montante para juante. |
A curva da riqueza de peixes ao longo do rio das Velhas foi construída
a partir do número total de espécies registradas em
cada um dos pontos amostrados na calha principal (Fig. 1), e evidenciou
uma acentuada inflecção a partir do ponto HP2 (Sabará),
recuperando-se a seguir. Entre as cidades de Sabará (HP2)
e Lagoa Santa (HP3) o rio das Velhas recebe todos os efluentes
da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), através
dos ribeirões Arrudas e do Onça.
No baixo rio Cipó (CP-02), ao contrário
do esperado, foi registrado um número de espécies (48)
superior ao encontrado em qualquer ponto de coleta no rio das Velhas.
Sabe-se que, em teoria, o rio principal comporta número maior
de espécies que seus afluentes. Também cabe salientar
que 1/5 das espécies registradas neste estudo foram capturadas
exclusivamente neste tributário. Dentre estas destacam-se algumas
raras e/ou ameaçadas de extinção, como os lambaris
(Characidium lagosantense e Hysteronotus megalostomus).
Comparação com o estudo
de Lütken
O registro da fauna de peixes realizado por Reinhardt e Lütken
representa uma oportunidade única de avaliação
das mudanças ocorridas na ictiofauna do rio das Velhas passados
mais de cem anos e, principalmente, após a implantação
da região metropolitana de Belo Horizonte. Espécies
registradas por Lütken e não capturadas no presente estudo
podem indicar processos de degradação ambiental nas
regiões amostradas.
Dentre as 55 espécies registradas
por este autor, 13 não haviam sido capturadas até
o ano de 2000. O número de espécies comuns aos dois
estudos é maior quando são comparados com o alto rio
das Velhas, área original do material coletado por Reinhardt.
A maioria das espécies acrescentadas, ou seja, coletadas
apenas nos estudos recentes, foram registradas no rio Cipó,
afluente ainda bem preservado da bacia.
O grande número de espécies acrescentadas à
lista de Lütken pode ser explicado, em parte, pela diferença
de métodos de amostragem utilizados. Enquanto boa parte dos
exemplares coletados por Reinhardt eram provenientes de pescadores,
que raramente capturam exemplares de menor porte, no presente estudo
foram utilizadas técnicas que permitem a captura de exemplares
de todos os tamanhos. De fato, a maioria das espécies coletadas
exclusivamente neste estudo são de pequeno porte.
Perspectivas de recuperação
da fauna de peixes do rio das Velhas
No trecho pesquisado pelo Projeto Manuelzão, existem dois cursos
d’água enquadrados entre as áreas de “importância
biológica extrema” do estado de Minas Gerais: o
próprio rio das Velhas e o rio Cipó (Costa et al.,
1998). A inclusão foi motivada pela ocorrência de fenômeno
biológico especial (piracema), alta riqueza de espécies
de distribuição restrita, e papel importante na manutenção
da integridade da planície de inundação do São
Francisco em Minas Gerais. Além desse fato, soma-se a ocorrência
de uma espécie oficialmente ameaçada de extinção
(Characidium lagosantense) (Minas Gerais, 1996). Várias
outras espécies raras e/ou ameaçadas da sub-bacia constam
em listas disponíveis na literatura técnica (Rosa &
Menezes, 1996, Lins et al., 1997; Alves & Vono, 1999).
Os recentes
projetos de implantação de Estações
de Tratamento de Esgotos (ETA) em Belo Horizonte e outros municípios
da sub-bacia trazem novas perspectivas de melhoria da qualidade
da água do rio das Velhas. Com essa melhoria, a ictiofauna
do rio das Velhas terá plenas condições de
recuperar-se, sem a necessidade de adoção de medidas
de manejo específicas. A presença de pelo menos 93
espécies de peixes (Alves & Pompeu, 2000) e a manutenção
de afluentes bem preservados, como o rio Cipó, são
condições suficientes para que espécies que
tenham sido extintas em alguns trechos possam repovoá-los.
Some-se a isso o fato de que no médio e baixo curso do rio
das Velhas e no rio São Francisco, entre as represas de Três
Marias e Sobradinho, não há obstáculos naturais
(cachoeiras) ou artificiais (barragens) para o deslocamento dos
peixes. Assim, a conectividade do sistema poderá permitir
a recolonização natural do rio das Velhas à
partir dos estoques provenientes dessa imensa região da bacia
do São Francisco e de seus tributários.
Estudos realizados em 2001
Após os levantamentos da calha principal e do rio Cipó,
e com base nos resultados alcançados, foram pesquisados outros
tributários do rio das Velhas (Onça, Bicudo, Curimataí,
Pardo Grande e Cipó) e a lagoa central de Lagoa Santa, com
financiamento da Fundação O Boticário de Proteção
à Natureza. Análises preliminares dos resultados dessa
etapa demonstram que os afluentes comportam 70% ou mais do total de
espécies já registradas. Os dados acumulados desde o
início da atuação do Projeto Manuelzão
somam aproximadamente 110 espécies, contra as 93 espécies
coletadas até o ano de 2000 e publicadas em Alves & Pompeu
(2001). Dentre os registros disponíveis, constam pelo menos
7 espécies novas, ou seja, ainda não conhecidas formalmente
pela Ciência.
Por outro lado, os resultados demonstram uma rápida deterioração
da fauna original da lagoa central de Lagoa Santa, com o desaparecimento
de várias espécies. O rápido processo de urbanização,
o assoreamento da lagoa, o lançamento de esgotos até
meados da década de 1990, a eliminação da vegetação
marginal original, a introdução de espécies
exóticas e, principalmente, a interrupção do
fluxo dos peixes da Lagoa com o rio das Velhas, são fatores
que determinaram a situação atual da sua ictiofauna.
Para saber mais
- Alves, C. B. M. & Pompeu, P.S. 2001. Peixes do Rio das
Velhas: Passado e Presente. Belo Horizonte, SEGRAC, 194 p.
- Alves, C. B. M. & Vono, V. 1999. Ampliação da
área de distribuição natural de Hysteronotus
megalostomus Eigenmann, 1911 (Characidae; Glandulocaudinae),
fauna associada e características do hábitat no rio
Paraopeba, bacia do rio São Francisco, Minas Gerais, Brasil. Comun. Mus. Ciênc. Tecnol. PUCRS sér. Zool., 12:31-44.
- Ciência Hoje, 2001. Saúde, Meio Ambiente e Cidadania:
Universidade mobiliza sociedade e governo para salvar o histórico
rio das Velhas. Revista Ciência Hoje, 29(173):66-69.
- Costa, C. M. R; Herrmann, G.; Martins, C. S.; Lins, L. V. &
Lamas, I. R. 1998. Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas
para sua conservação. Fundação Biodiversitas,
92 p.
- Lins, L. V.; Machado, A. B. M.; Costa, C. M. R. & Herrmann,
G. 1997. Roteiro metodológico para elaboração
de listas de espécies ameaçadas de extinção:
contendo a lista oficial da fauna ameaçada de extinção
de Minas Gerais. Publicações Avulsas da Fundação
Biodiversitas, 1:1-50
- Minas Gerais, 1996. Deliberação COPAM nº 041/95.
Aprova a lista de espécies ameaçadas de extinção
da fauna do Estado de Minas Gerais. Minas Gerais, Órgão
Oficial dos Poderes do Estado, Belo Horizonte, 20 de janeiro
de 1996.
- Rosa, R. S. & Menezes, N. A. 1996. Relação preliminar
das espécies de peixes (Pisces, Elasmobranchii, Actinopterygii)
ameaçadas no Brasil. Revta. Bras. Zool., 13(3):647-667
Contribuição de Carlos
B. M. Alves
Publicado em 24 de
junho de
2003
Atualizado em 28 de setembro de 2006 |